domingo, 12 de junho de 2011

Portugal: um balanço de 20 anos na União Europeia

Eugénio Rosa

Portugal aderiu à União Europeia (UE) em 1986, portanto, em 2006, completam-se 20 anos. É altura de se fazer um balanço objectivo, naturalmente diferente do balanço oficial, que neste artigo se vai limitar, até por uma questão de espaço disponível, a alguns aspectos importantes da realidade económica e social, ou seja, tentar saber o que essa adesão trouxe de bom e mau para o nosso país neste campo. E mais ainda quando na altura da adesão se fizeram promessas ao povo português de que ela traria desenvolvimento, crescimento económico, mais emprego, maior nível de vida, mais riqueza e mais justiça. Estas foram as promessas que os sucessivos governos quer do PS (o primeiro foi o de Mário Soares) quer do PSD (o primeiro foi de Cavaco Silva), que se alternam de uma forma pendular no poder, utilizaram abundantemente para justificar essa adesão.
Nestes 20 anos, Portugal recebeu fundos da UE que rondaram os 50 000 milhões de euros (o correspondente a 10.024,1 milhões de contos a preços correntes). Mas as questões que imediatamente se colocam são as seguintes: que vantagens obteve com tal adesão? E qual o preço que pagou e está a pagar por aqueles milhões de euros que ofuscaram e continuam a ser utilizados para ofuscar a consciência de muitos portugueses?Mesmo a nível de transportes, onde os investimentos elevados foram realizados com o apoio de fundos comunitários, mesmo aqui, repetimos, ao se optar preferencialmente pelo transporte rodoviário (construção de auto-estradas, pontes e viadutos), e ao se investir de uma forma insuficiente ou mesmo a desinvestir no transporte ferroviário criaram-se graves distorções a nível de todo o sistema de transportes com consequências muito pesadas quer no aumento da dependência energética do País quer em termos de ineficiência energética. Esta distorção, já se está a pagar pesadamente, como no caso do aumento significativo da factura energética, o que está a contribuir para o grave desequilíbrio das contas externas do País, muito mais grave que o défice orçamental.
A destruição do aparelho produtivo nacionalMas onde as consequências foram mais dramáticas para Portugal foi a nível da destruição do seu aparelho produtivo, como provam os dados oficiais constantes do quadro I.

Assim, a partir de 1985, verificou-se uma destruição gradual mas permanente da agricultura, das pescas e da indústria transformadora que são fundamentalmente os sectores produtivos de bens transaccionáveis, ou seja, aqueles que eventualmente podem ser exportados. Assim, entre 1985 e 2003, o peso que estes sectores representam no valor da riqueza nacional criada anualmente, baixou de 34,8% para apenas 22,4%, ou seja, sofreu uma quebra de 35,6%.A mesma redução verificou-se no emprego em sectores produtivos de bens transaccionáveis. Entre 1985 e 2003, o emprego na agricultura, silvicultura, pescas e indústria transformadora passou de 40,5% para apenas 29,1% do emprego total do país. Isto significou uma redução do emprego que estes sectores representam em relação ao emprego nacional em mais de 28%.Esta destruição tão significativa dos sectores que, por excelência, são produtivos, associada à destruição do Sector Público Empresarial, através de um processo de privatizações selvagem, levado a cabo pelos governos do PSD de Cavaco Silva e do PS de Guterres, colocou as empresas mais importantes sob o controlo de grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros, mais interessados em acumular lucros gigantescos que no desenvolvimento do país. Para além disso, e como confirma o relatório de 2003 do PRIME, que é um programa cofinanciado pela UE, que tem como objectivo a modernização da economia portuguesa, cerca de 80% do investimento apoiado por este programa que é realizado pelas empresas portuguesas destinam-se a tirar partido da mão-de-obra barata ou de recursos nacionais, o que significou que os fundos comunitários têm sido, na sua maioria, utilizados para perpetuar um modelo de crescimento económico que está esgotado, e que só poderia conduzir o país à grave crise que enfrenta actualmente.Tudo isto teve como consequência a perda de competitividade da economia portuguesa e, consequentemente, o aumento vertiginoso do défice da nossa Balança Comercial. A destruição do sector empresarial do EstadoCom a adesão à UE, mas nomeadamente com a sua integração na União Monetária e consequente substituição da nossa moeda nacional pelo euro, Portugal perdeu importantes instrumentos de política macroeconómica que passaram para a competência do Banco Central Europeu ou da Comissão Europeia. Assim, Portugal deixou de ter competência para fixar taxas cambiais e as taxas de juro que passaram para a competência do Banco Central Europeu. Portugal também deixou de poder fixar livremente o défice orçamental adequado ao desenvolvimento do nosso país, que passou para a UE. O mesmo sucede em relação aos investimentos, nomeadamente os maiores e estruturantes, que passaram a ser condicionados pelo cofinanciamento comunitário. Desta forma Portugal ficou indefeso perante situações de grave crise económica e social como é aquela que enfrenta actualmente.Um dos instrumentos que poderia no entanto ser utilizado para contrabalançar esta perda de importantes instrumentos de política macroeconómica, seria a existência de um forte Sector Empresarial do Estado, que poderia e deveria ser utilizado para levar a cabo uma política planeada de desenvolvimento do país. Efectivamente, se o Estado possuísse as maiores e principais empresas estratégicas (do sector bancário, segurador, telecomunicações, energia, etc.) poderia utilizá-las como instrumentos de uma política económica ao serviço do país.Mas o que sucedeu foi precisamente o contrário. Primeiro, os governos do PSD de Cavaco Silva e depois os governos do PS de Guterres, baseados no falso argumento de que era necessário melhorar a concorrência e desenvolver centros de decisão nacionais, procederam à privatização selvagem e maciça das principais empresas públicas, entregando a sua propriedade a grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.Orientados por uma fúria privatizadora, onde os interesses nacionais estiveram totalmente ausentes, os governos do PSD iniciaram a privatização das principais empresas públicas, tendo entregue ao controlo total ou parcial de grandes grupos económicos 36 empresas pertencentes aos sectores da comunicação social, bancário, segurador, cervejeiro, de transportes, pasta de papel, energia, adubeiro e cimenteiro, que antes pertenciam ao Estado.Mas foi fundamentalmente com o governo de Guterres, e com a dupla Guterres-Pina Moura que se procedeu a uma onda maciça de privatizações de empresas públicas, muitas delas com contornos duvidosos.Assim, de 1996 a 2001, foram privatizadas, parcial ou totalmente, as maiores empresas públicas (Companhia Nacional de Petroquímica, Portugal Telecom, Cimpor, Banco Totta & Açores, Tabaqueira, Banco Comercial dos Açores, BFE, EDP, BRISA, Quimigal, Setenave, Galp), o que determinou que as principais empresas portuguesas, que antes eram públicas, passassem para o controlo dos grandes grupos económicos nacionais e estrangeiros.Guilherme de Oliveira Martins, o ministro das Finanças do último governo de Guterres, gabou-se dessa obra no prefácio que escreveu ao estudo da Secretaria do Estado do Tesouro e Finanças que tem o título «Sector Empresarial do Estado: evolução no período 1996-2001», com as seguintes palavras: «no período compreendido entre 1996 e 2001, ou seja com governos PS, obteve-se “um encaixe de 15.919,8 milhões de euros” “com as privatizações quando “no período 1989-1995”, ou seja, com governos PSD, «o encaixe tinha sido de 6.827,3 milhões de euros, correspondentes na sua generalidade às operações de privatizações do sector bancário e segurador». E acrescentava com uma certa euforia: «o encaixe total obtido no período 1996-2001 (com governos PS) é revelador não só da decisão política de intensificação das operações de privatização como uma das principais transformações estruturais da economia portuguesa».Esta destruição do sector empresarial do Estado pelos governos do PSD e do PS teve consequências desastrosas para o país. A grave crise económica e social que Portugal enfrenta neste momento é também uma consequência desta política antinacional levada a cabo por estes governos. Efectivamente, Portugal ao ter de transferir os principais instrumentos de política macroeconómica para a UE, e não possuindo já um importante Sector Empresarial do Estado para poder pôr em prática uma política de crescimento económico e desenvolvimento que o país necessita, enfrenta crescentes dificuldades para ultrapassar crises como aquela que está a viver.E a situação ganha foros de escândalo quando os grupos económicos que dessa forma obtiveram a propriedade e controlo dessas empresas, mesmo em plena crise do país e das dificuldades da generalidade dos portugueses, conseguem obter, pelo facto de controlar essas empresas que antes eram públicas, lucros nunca vistos. Assim, de lucros, em 2005, a EDP obteve cerca de 1000 milhões de euros, a PT cerca de 600 milhões de euros, a banca obteve lucros que em alguns casos foram superiores em cerca de 90% aos alcançados em 2004, que já tinham sido bastantes elevados; o mesmo aconteceu com o sector segurador, etc., etc.. O capital predador, de que são exemplos a OPA da Sonae sobre a PT e do BCP sobre o BPI que não acrescentam nada ao tecido produtivo nacional, mercê da política de privatizações dos governos do PSD e do PS, comanda neste momento os destinos do país.Baixo nível de escolaridade e de qualificaçãoA riqueza de um país mede-se também pelo nível de escolaridade e de qualificação dos seus habitantes. As pessoas são a riqueza mais importante de um país, sem o que não é possível qualquer processo rápido de crescimento económico e de desenvolvimento.E durante estes 20 anos de adesão à UE os resultados neste campo fundamental para o país e para os portugueses foi um desastre, como provam os dados oficiais constantes do quadro II.


De acordo com dados da OCDE, entre 1991 e 2002 a população portuguesa com o ensino básico ou menos diminuiu somente 6 pontos percentuais, pois passou de 86% para 80%, enquanto a redução média nos países da OCDE atingiu 12 pontos percentuais pois passou de 45% para 33%, ou seja, o dobro do verificado em Portugal. E esta situação é ainda mais grave se se tiver presente que, em 1991, Portugal encontrava-se já numa posição muito mais desfavorável que a média dos países da OCDE (em 1991, 86% da população portuguesa tinha o ensino básico ou menos, enquanto a média na OCDE era de 45%), e que, em 2002, a média da OCDE tinha baixado para 33%, enquanto em Portugal a população com o ensino básico ou menos era ainda 80% do população total com idade entre os 25 e 64 anos. Em 2005, de acordo com os dados do INE, cerca de 72% da população empregada portuguesa possuía apenas o ensino básico ou menos; 18% o ensino secundário; e 12% o superior. É evidente que não é com este baixíssimo nível de escolaridade que Portugal poderá implementar um modelo de crescimento económico baseado em trabalho qualificado e bem pago. E não é o Plano Tecnológico, que tem constituído uma das bandeiras de propaganda do governo de Sócrates, que conseguirá garantir emprego à esmagadora maioria da população empregada que se sente ameaçada pelo desemprego.A desigualdade na repartição da riqueza continua a ser a mais grave da UEA adesão de Portugal à UE, mas nomeadamente à União Monetária, e como consequência do neoliberalismo que lhe está associado determinou o agravamento das desigualdades no nosso país, como mostram os dados do Eurostat constantes do quadro III.


Em primeiro lugar, Portugal é o país da UE onde a repartição do rendimento tem sido persistentemente mais desigual. Assim, em 2004, último ano em que o Eurostat divulgou dados sobre esta matéria, em Portugal os 20% mais ricos recebiam 7,2 vezes mais rendimento do que os 20% mais pobres da população, enquanto a média nos países da UE era, na mesma altura, de 4,8 vezes, portanto um valor inferior em 33% ao do nosso país.Depois, em relação a Portugal o valor de 2004 (7,2 vezes) é praticamente o valor de 1985 (7,4 vezes), o que mostra que desde que o país aderiu à UE não se verificou qualquer alteração significativa neste campo. Finalmente, se compararmos a situação portuguesa com a da Finlândia, um país altamente competitivo e com taxas de crescimento económico muito superiores à portuguesa, constata-se que sempre se verificou na Finlândia uma melhor repartição da riqueza (em 2004, os 20% mais ricos possuíam 3,5 vezes mais rendimento que os 20% mais pobres da população, que é menos de metade do valor registado em Portugal, que é 7,2 vezes), o que parece indiciar que a má distribuição do rendimento está associada também a baixas taxas de crescimento, verificando-se também o inverso: elevadas sustentadas taxas de crescimento estão associadas a melhores níveis de repartição da riqueza criada num país. Razão tem o PCP quando afirma que não é possível em Portugal um crescimento sustentado e elevado sem que simultaneamente se proceda a uma melhor repartição da riqueza e do rendimento. E isto é não só um imperativo social, face à generalização da pobreza coexistindo com uma minoria que acumula cada vez mais riqueza, mas também é uma necessidade económica.

2 comentários:

  1. Não sei se é gralha mas 34,2-22,4=12,4% e não 35,6%!

    Estarei a ver mal?!

    ...Assim, entre 1985 e 2003, o peso que estes sectores representam no valor da riqueza nacional criada anualmente, baixou de 34,8% para apenas 22,4%, ou seja, sofreu uma quebra de 35,6%....

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