sexta-feira, 22 de junho de 2012

Banco de Portugal entra na campanha ideológica pela baixa dos salários em Portugal e no ataque aos sindicatos

por Eugénio Rosa

O Banco de Portugal divulgou recentemente um "estudo", depois utilizado pelos media, que procura criar na opinião pública a ideia de que o aumento do desemprego se deve à rigidez dos salários. O dito estudo vem na linha do comunicado da troika, divulgado após a 4ª avaliação de Junho de 2012, que afirma que a subida do desemprego em Portugal " foi exacerbada pela antiga rigidez do mercado laboral português ". A "cassete" habitual do FMI e seus defensores quando recusam a realidade.

O Banco de Portugal é um banco público pago pelos portugueses. É o banco cuja função é supervisionar o sistema financeiro. Apesar disso, por falta de competência ou por ter pactuado, deram-se casos como o BPN e BPP que já custaram aos contribuintes portugueses mais de 5.000 milhões de euros. Mas as consequências negativas da actuação do Banco de Portugal não se restringem apenas a estas. Tal como aconteceu em outros países, e contrariamente à mensagem que os banqueiros e os seus defensores têm pretendido fazer passar junto da opinião pública, também em Portugal verificou-se má gestão, para não dizer mesmo gestão irresponsável por parte da banca. A prová-lo está o facto de que a maioria dos bancos "portugueses" não consegue obter crédito no mercado internacional a não ser com o aval do Estado (é por isso, que no OE-2012 estão inscritos 35.000 milhões de euros para avales à banca) e, mais recentemente, a recapitalização dos principais bancos em mais de 6.000 milhões de euros com fundos do Estado. Afirmar perante estes factos que os bancos em Portugal tiveram e têm uma gestão diferente (recorde-se, a este propósito, o caso BPI que teve um prejuízo de 339 milhões de euros por especular com a divida grega); repetindo, dizer neste contexto que a gestão da banca em Portugal é diferente da dos outros países só pode ser conversa para enganar a opinião pública. E tudo isto aconteceu devida à incapacidade, para não dizer mesmo incompetência do Banco de Portugal em exercer, adequadamente, a sua função de supervisor – o que causou e continua a causar graves prejuízos aos contribuintes portugueses e à economia nacional.

O Banco de Portugal não cumpre adequadamente a sua função de supervisão (recorde-se que o actual governador do Banco de Portugal foi director do BCP no tempo da gestão de Jardim Gonçalves que está agora a ser julgado pelos tribunais). No entanto o BP é pródigo em publicar " working papers " (documentos de trabalho, ou hipóteses de trabalho para utilizar as palavras do ministro das Finanças a propósito da reposição do subsidio de ferias e de Natal). Ele entra assim na campanha ideológica da direita para baixar ainda mais as condições de vida dos trabalhadores portugueses. Tudo à semelhança daquilo que é bem retratado, a propósito das responsabilidades dos economistas pela actual crise, no filme Inside job . As escandalosas remunerações que continuam a ser pagas aos administradores dos grupos económicos e financeiros assim como os elevados lucros sem pagamento de impostos distribuídos aos seus maiores accionistas, em plena crise, não merecem qualquer comentário pelos mesmos "técnicos". Dois pesos e duas medidas.

Antes, foi a defesa da desvalorização fiscal através de uma redução significativa das contribuições patronais. Se fosse implementada determinaria ou o colapso da Segurança Social ou um aumento elevado dos preços provocado pela subida do IVA, sem ter qualquer efeito no aumento da competitividade das empresas. Agora, é a "teoria" de que existe rigidez dos salários em Portugal, e que essa rigidez é a causa do aumento do desemprego. Com esse objectivo, divulgou em Maio deste ano um "working paper" com o elucidativo título: " Wage rigidity and employment adjustment at the firm level: Evidence from survey data ". Para procurar credibilizar as conclusões deste "documento de trabalho", para além de ser divulgado através do Banco de Portugal, também refere que tem como base uma investigação baseada em dados.

UM INQUÉRITO VICIADO E UMA AMOSTRA ENVIESADA

Uma leitura atenta do documento divulgado, que depois foi utilizado por alguns media para alimentar a campanha da direita contra os salários dos trabalhadores portugueses (apesar de serem baixos, ainda querem reduzi-los mais com a justificação não provada que assim se aumentaria a competitividade das empresas), leva às seguintes conclusões: (1) O inquérito utilizado para obter os dados referidos é viciado logo à partida porque inclui apenas perguntas com o objectivo de chegar às conclusões que se pretendem obter; (2) A amostra de empresas utilizada é enviesada porque, por um lado, foi obtida sem qualquer rigor estatístico (pelo menos, nada é esclarecido) e, por outro lado, sofre sucessivos cortes para se ajustar as conveniências dos autores; (3) Não existe fundamento cientifico a provar que as variáveis utilizadas, assim como o modelo econométrico usado, sejam adequados à realidade portuguesa.

Comecemos pelo primeiro aspecto. Segundo os autores do documento, o inquérito feito a empresas portuguesas continha apenas as seguintes questões: (1) Nos últimos 5 anos os salários dos trabalhadores foram congelados?; (2) A empresa utilizou algumas das seguintes estratégias para reduzir os custos dos salários: (a) Reduziu ou eliminou bónus ou outros benefícios monetários?; (b) Reduziu ou eliminou benefícios não monetários?; (c) Reduziu ou congelou as promoções?; (d) Recrutou trabalhadores com salários mais baixos para substituir outros com salários mais elevados que saíram da empresa? Todas as outras variáveis (politica do governo, mercado, etc.) são ignoradas.

Uma análise atenta do questionário leva à conclusão imediata que ele está à partida viciado. E isto porque a redução dos custos de trabalho não pode ser analisada desta forma. Os custos do trabalho por unidade produzida (e é esta a que interessa) podem ser reduzidos de muitas formas: (1) Através de uma melhor organização e gestão da empresa; (2) Através de uma política de investimentos adequada; (3) Por meio do pagamento de remunerações mais baixas associada a baixas qualificações; etc.

Os autores do estudo, ao limitarem a redução dos custos do trabalho apenas à redução do valor das remunerações (e as perguntas feitas vão apenas nesse sentido), revelam ou que não compreendem os problemas estruturais das empresas portuguesas (seria bom que, a este propósito, lessem o recente livro do ex-economista chefe do FMI Raghuram Rajan, nomeadamente os efeitos da organização na produtividade nomeadamente do trabalho) ou então quiseram obter resultados de acordo com conclusões pré-definidas. Para além disso, segundo o INE (Empresas em Portugal – 2009), em 2009, nas empresas financeiras, os custos com pessoal representam apenas 15% do valor das vendas. Seria bom que, no lugar de limitar a investigação aos salários (parece que o único inimigo são os baixos salários auferidos pelos trabalhadores portugueses), os economistas do Banco de Portugal estudassem também as outras componentes dos custos, pois certamente nelas se poderiam obter poupanças maiores com uma melhor organização, gestão e investimento.

Para além de tudo isto, a amostra utilizada está também enviesada. Em primeiro lugar não se esclarece quantas empresas foram inquiridas, e com que critérios científicos foram seleccionadas para serem incluídas na amostra estudada (terá sido pela afinidade politica ou ideológica dos proprietários dessas empresas com os autores do estudo?); em segundo lugar, a amostra obtida sofreu uma série de cortes para a ajustar às conveniências dos autores do estudo, pois reduziu 1319 empresas que responderam ao inquérito, a apenas 635 empresas, ou seja, a menos de metade (48%); e, finalmente qual é a representatividade de uma amostra desta natureza e com esta dimensão (nem são fornecidos dados sobre a dimensão das empresas utilizadas no estudo) relativamente a um universo constituído por mais de um milhão de empresas que existem em Portugal, segundo o INE.

UM MODELO ECONOMÉTRICO QUE NÃO ESTÁ PROVADO SER ADEQUADO À REALIDADE PORTUGUESA NEM QUE AS SUAS CONCLUSÕES SEJAM VÁLIDAS.
O ATAQUE AOS SINDICATOS

Não existe evidência científica no estudo divulgado a provar que as variáveis utilizadas, assim como as relações assumidas entre essas variáveis traduzidas no modelo econométrico utilizado sejam adequadas à realidade portuguesa. Em primeiro lugar, porque qualquer modelo econométrico simplifica muito a realidade dando origem, na maioria dos casos, a conclusões que nada têm a ver com a realidade, pois esta é demasiadamente complexa para ser reduzida/traduzida num modelo matemático. Recorde-se, a este propósito, as consequências dos modelos utilizados nos mercados financeiros que contribuíram para a grave crise financeira que depois se transformou na segunda grande recessão económica que enfrentamos actualmente. Toda a gente se recorda ainda da falência estrondosa do hedge fund Long Term Capital Management, onde trabalhavam dois prémios Nobel da economia obtidos precisamente pela elaboração de modelos matemáticos aplicados aos mercados financeiros.

Uma análise mais atenta do modelo utilizado levanta grandes dúvidas sobre a sua adequabilidade à realidade portuguesa assim como sobre a sua consistência técnica. É um modelo essencialmente importado. Muitos dos pressupostos não são pacíficos como o da rigidez das leis do trabalho em Portugal, e isso ser a causa da baixa competitividade da maioria das empresas portuguesas.

Por outro lado, os seus autores assumem também outros pressupostos que pouco têm a ver com a realidade concreta. Ignoram a envolvente da empresa (politica governamental, restrições ao crédito, mercado, etc), e consideram que o maior ou menor número de despedimentos que se verifica numa empresa depende da empresa poder manipular o volume de remunerações, ou seja, desta variável ser flexível. Como os salários base são rígidos, pois são fixados em contratos colectivos por culpa dos sindicatos , então a flexibilidade que a empresa tem para manipular o volume de remunerações fica dependente do seguinte: (a) Possibilidade de congelar os salários contratuais; (b) Possibilidade de reduzir ou eliminar benefícios monetários; (c) Possibilidade de reduzir ou eliminar benefícios não monetários; (d) Possibilidade de substituir trabalhadores que saiam da empresa por trabalhadores com salários mais baixos. E quanto mais elevadas forem estas margens, e maiores forem as possibilidades de as reduzir menor será a necessidade de despedir trabalhadores, ou seja, de reduzir o emprego (" a flexibilidade dos salários base tem um impacto positivo no emprego e este impacto positivo é significativamente fortalecido pela possibilidade das empresas recorrerem ao ajustamento das margens dos custos do trabalho " concluem na pág. 29). Eis a mensagem principal do " working paper " dos economistas do Banco de Portugal.

É evidente que esta mensagem, que se procura credibilizar utilizando o nome do Banco de Portugal e modelos matemáticos de duvidosa aplicação, serve os objectivos actuais da direita já que visa, objectivamente, desresponsabilizar a politica de austeridade que está a ser imposta ao país pelo governo e troika pelo aumento vertiginoso do desemprego, procurando-se desviar a causa para o interior de cada empresa e depois limitá-la, dentro dela, à maior ou menor rigidez das despesas com pessoal, responsabilizando disso os trabalhadores e os sindicatos (" Quanto maior é o poder de negociação dos sindicatos, maior é a rigidez dos salários, e maior serão as mudanças no emprego ", ou seja, maior será o desemprego, pág. 23 do estudo). Para estes "senhores", os contratos colectivos de trabalho como fonte de direitos para os trabalhadores que depois são consagrados na lei, e como instrumento de progresso social e civilizacional não deviam existir. Será desta forma que consideram os contratos em que são beneficiados?

A redução do poder de compra dos portugueses e, consequentemente, a contracção significativa do mercado interno, os cortes significativos no crédito feito pelos banqueiros, a quebra significativa nas vendas e a falência de milhares de empresas, tudo isto provocado pela politica de austeridade violenta imposta pelo governo e pela troika, está a determinar o aumento vertiginoso do desemprego, tudo isto é ignorado no estudo dos economistas do Banco de Portugal, que à semelhança dos economistas retratados no filme " Inside Job " também se prestaram a igual papel.

Para finalizar, interessa ainda referir que apesar de todos os esforços feitos para credibilizar a mensagem que procuram passar, no entanto, na pág. 22 do seu "paper", são obrigados a reconhecer "que quanto mais elevada é a taxa de trabalhadores permanentes, mais se usa o ajustamento das margens " e, consequentemente, menos a redução do emprego.

13 de Junho 2012

Eugénio Rosa, economista

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Discurso do Prof. Doutor António Sampaio da Nóvoa em 10 de Junho de 2012

Discurso do Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, Prof. Doutor António Sampaio da Nóvoa, actual reitor da Universidade de Lisboa.

Lisboa, 10 de junho de 2012

As palavras não mudam a realidade. Mas ajudam-nos a pensar, a conversar, a tomar consciência. E a consciência, essa sim, pode mudar a realidade.

As minhas primeiras palavras são, por inteiro, para os portugueses que vivem situações de dificuldade e de pobreza, de desemprego, que vivem hoje pior do que viviam ontem.

É neles que penso neste 10 de Junho.

A regra de ouro de qualquer contrato social é a defesa dos mais desprotegidos. Penso nos outros, logo existo (José Gomes Ferreira). É o compromisso com os outros, com o bem de todos, que nos torna humanos.

Portugal conseguiu sair de um longo ciclo de pobreza, marcado pelo atraso e pela sobrevivência. Quando pensávamos que este passado não voltaria mais, eis que a pobreza regressa, agora, sem as redes das sociedades tradicionais.

Começa a haver demasiados “portugais” dentro de Portugal. Começa a haver demasiadas desigualdades. E uma sociedade fragmentada é facilmente vencida pelo medo e pela radicalização.

Façamos um armistício connosco, e com o país. Mas não façamos, uma vez mais, o erro de pensar que a tempestade é passageira e que logo virá a bonança. Não virá. Tudo está a mudar à nossa volta. E nós também.

Afinal, a História ainda não tinha acabado. Precisamos de ideias novas que nos deem um horizonte de futuro. Precisamos de alternativas. Há sempre alternativas.

A arrogância do pensamento inevitável é o contrário da liberdade. E nestes estranhos dias, duros e difíceis, podemos prescindir de tudo, mas não podemos prescindir nem da Liberdade nem do Futuro.

O futuro, Minhas Senhoras e Meus Senhores, está no reforço da sociedade e na valorização do conhecimento, está numa sociedade que se organiza com base no conhecimento.

Há a liberdade de falar e há a liberdade de viver, mas esta só existe quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social (Miguel Torga).

Gostaria de recordar o célebre discurso de Franklin D. Roosevelt, proferido num tempo ainda mais difícil do que o nosso, em 1941. A democracia funda-se em coisas básicas e simples: igualdade de oportunidades; emprego para os que podem trabalhar; segurança para os que dela necessitam; fim dos privilégios para poucos; preservação das liberdades para todos.

Numa situação de guerra, Roosevelt sabia que os sacrifícios têm de basear-se numa forte consciência do social, do interesse coletivo, uma consciência que fomos perdendo na vertigem do económico; pior ainda, que fomos perdendo para interesses e grupos, sem controlo, que concentram a riqueza no mundo e tomam decisões à margem de qualquer princípio ético ou democrático. É uma “realidade inaceitável”.

Em mar de águas revoltas, é preciso manter o rumo, ter a sabedoria de separar o acessório do fundamental. A Europa não é uma opção, é a nossa condição. Uma Europa com uma nova divisa: liberdade, diversidade, solidariedade.

A Europa é o nosso futuro, mas não nos iludamos. Ou nos salvamos a nós, ou ninguém nos salva (Manuel Laranjeira). Falemos, pois, de Portugal e dos portugueses.

Pelo Tejo fomos para o mundo… mas quantas vezes estivemos ausentes dentro de nós? Preferimos a Índia remota, incerta, além dos mares, ao bocado de terra em que nascemos (Teixeira de Pascoaes).

A Terra ou o Mar? Portugal ou o Mundo? A pergunta foi feita por todos aqueles que pensaram Portugal.

No final do século XIX, um homem da Geração de 70, Alberto Sampaio, explica que as nossas faculdades se atrofiaram para tudo que não fosse viajar e mercadejar. Nunca nos preocupámos com a agricultura, nem com a indústria, nem com a ciência, nem com as belas-artes. As riquezas que fomos tendo “mal aportavam, escoavam-se rapidamente, porque faltava uma indústria que as fixasse”, e o património da comunidade, esse, “em vez de enriquecer, empobrecia”.

Nos momentos de prosperidade não tratámos das duas questões fundamentais: o trabalho e o ensino. Nos momentos de crise é tarde: fundas economias na administração aumentariam os desempregados, e para a reorganização do trabalho falta o capital; falta o tempo, porque a fome bate à porta do pobre. Então a emigração é o único expediente: silenciosa e resignadamente cada um vai partindo, sem talvez uma palavra de amargura.

Este texto foi escrito há 120 anos. O meu discurso poderia acabar aqui. Em silêncio.

Senhor Presidente da República,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

É esta fragilidade endémica que devemos superar. O heroísmo a que somos chamados é, hoje, o heroísmo das coisas básicas e simples – oportunidades, emprego, segurança, liberdade. O heroísmo de um país normal, assente no trabalho e no ensino.

Parece pouco, mas é muito, o muito que nos tem faltado ao longo da história.

Porque Portugal tem um problema de organização dentro de si:

- Num sistema político cada vez mais bloqueado;

- Numa sociedade com instituições enfraquecidas, sem independência, tomadas por uma burocracia e por uma promiscuidade que são fonte de corrupção e desperdício;

- Numa economia frágil e sem uma verdadeira cultura empresarial.

Estão a surgir, é certo, sinais de uma capacidade de adaptação e de resposta, de baixo para cima. Precisamos de transformar estes movimentos numa ação sobre o país, numa ação de reinvenção e de reforço da sociedade.

Chegou o tempo de dar um rumo novo à nossa história.

Portugal tem de se organizar dentro de si, não para se fechar, mas para se abrir, para alcançar uma presença forte fora de si.

Não conseguiremos ser alguém na Europa e no mundo, se formos ninguém em nós.

Não é por sermos um país pequeno que devem ser pequenas as nossas ambições. O tamanho não conta; o que conta, e muito, é o conhecimento e a ciência.

Senhor Presidente de República,

O convite de V. Ex.ª, que muito agradeço, é um gesto de reconhecimento das universidades e do seu papel no futuro de Portugal.

Em Lisboa, na célebre Conferência do Casino (1871), Antero disse o essencial: A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência: foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos.

Antero tinha razão e o século XX ainda mais razão lhe veio dar. O drama de Portugal, do nosso atraso e da nossa dependência, tem sido sempre o afastamento de sociedades que evoluíram graças ao conhecimento e à ciência.

Nas últimas décadas, realizámos um esforço notável no campo da educação (da escola pública), das universidades e da ciência.

Pela primeira vez na nossa história, começamos a ter a base necessária para um novo modelo de desenvolvimento, para um novo modelo de organização da sociedade.

É uma base necessária, mas não é ainda uma base suficiente.

Existe conhecimento. Existe ciência. Existe tecnologia. Mas não estamos a conseguir aproveitar este potencial para reorganizar a nossa estrutura social e produtiva, para transformar as nossas instituições e empresas, para integrar uma geração qualificada que, assim, se vê empurrada para a precariedade e para o desemprego.

É este o nosso problema: a ligação entre a universidade e a sociedade. É esta a questão central do país: uma organização da sociedade com base na valorização do conhecimento.

Insisto. Apesar de todos os contratempos, Portugal tem hoje uma capacidade instalada, nas universidades e na ciência, que nos permite sair de uma posição menor, periférica, e superar o fosso tecnológico que se cavou entre nós e a Europa.

Não temos tempo para hesitações. As universidades vivem de liberdade, precisam de ser livres para estarem à altura do que a sociedade lhes pede.

É por aqui que passa o nosso futuro, pela forma como conseguirmos ligar as universidades e a sociedade, pela forma como conseguirmos que o conhecimento esteja ao serviço da transformação das nossas instituições e das nossas empresas.

É por aqui que passa o nosso futuro, um outro futuro para Portugal.

Minhas Senhoras e Meus Senhores,

Também Lisboa se está a transformar graças à criação, à energia da cultura e da ciência, graças aos estudantes que aqui chegam de todas as partes do mundo.

Lisboa é dos poetas. Em abril, a poesia esteve na rua e fez-nos emergir da noite e do silêncio. A poesia volta sempre à rua, através desta língua que é a nossa mátria, desta língua que nos permite estar connosco e com os outros, nas comunidades que nos multiplicaram pelo mundo e nos países que são parte de nós.

25 anos depois, não esqueço José Afonso: Enquanto há força, cantai rapazes, dançai raparigas, seremos muitos, seremos alguém, cantai também.

Cantemos todos. Por um país solidário. Por um país que assegura o direito às coisas básicas e simples. Por um país que se transforma a partir do conhecimento.

Não podemos ser ingénuos. Mas denunciar as ingenuidades não significa pôr de lado as ilusões, não significa renunciar à busca de um país liberto, de uma vida limpa e de um tempo justo (Sophia).

Foi esta busca que me trouxe ao Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

10.06.2012